terça-feira, 6 de outubro de 2009

As Antigas e Novas Andanças do Demónio - Jorge de Sena

Eis uma passagem do conto "Duas medalhas imperiais com Atlântico". Acho-a uma uma passagem interessante, pois o autor conta uma conversa que ouviu entre dois marujos no barco em que ia a caminho de S. Tomé. É uma passagem bastante cómica e que retrata um pouco a vida de um marujo.

" - E foi então que eu lhe disse que se fodesse.

- Mas você disse isso mesmo, ou é garganta?

- Garganta, com um meco daqueles, sem barba na cara nem pêlos nos colhões? Ali empoleirado na bitácula, mais agoniado que uma pescada, a rir-se de vinte anos que eu tinha já de mar? Se o visses depois em pelota, como eu vi, todo peladinho e cor-de-rosa que até apetecia lambê-lo…

- Mas você quando é que o viu em pelota? Ele despia-se para você ver?

- É que há dos que se despem e dos que não se despem. Ele era dos que se despem.

- Ah, era? E como foi isso?

- Ora, quando passámos a Linha, eu já nesse tempo era o Rei Neptuno, e mandei que ele se despisse todo e desse três voltas ao convés. Até o comandante se torcia de riso.

- E desta vez, quando a gente passou a linha…

- Então tu não viste que este já a passou umas quantas vezes?

- Pois é… E depois que lhe fez V.?

- Eu?... A quem?

- Ao gajo.

- Ah… Quando fizemos escala em Luanda, ele aperaltou-se todo, foi visitar uns amigos que lá tinha, que o levaram e eu fiquei sem saber para onde ele ia. Mas como sabia que ele ia jantar no Hotel, aproveitei para ir limpar a arma, e à noitinha andei-lhe rondando a porta. Quando ele saiu, fui atrás dele. E percebi logo onde ele queria ir, à procura, sem perguntar a ninguém. Então cheguei-me a ele, de repente, no escuro, e disse-lhe: - Vossa Senhoria não sabe o caminho, quer que o leve lá? – Ele parou, olhou para mim com aquela cara de alarve louro qu´inda hoje tem, e disse: - Tu sabes aonde é? – Eu nem lhe respondi e fui andando à frente, danado, e ele atrás. Quando chegámos, eu fiquei-me encostado na porta da sala, a olhar para ele, e ele escolheu uma mulata bem boa e foi para o quarto. Eu então cheguei-me à patroa e disse: - Eu quero ver o que é que esse gajo faz. Foi um cagarim dos diabos.

- E você viu?

- Ora, fazia o mesmo que todos.

Desta vez quase riram alto. E o mais novo insistiu, com a voz trémula do cio: E daí?

- Ah, mas era um caso sério. A mulata até ficou gaga com aquele trabalho."

Bárbara Tavares, Nº6, 11ºD

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