quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Mau Tempo no Canal - Vitorino Nemésio

Mau Tempo no Canal é um romance de Vitorino Nemésio. Neste romance, a acção decorre nas ilhas do Faial, Terceira, Pico e S.Jorge, entre os anos de 1917 e 1919 e retrata a sociedade estratificada da cidade da Horta. A história começa com o namoro entre João Garcia (filho de uma família nova-rica) e Margarida Clark Dulmo (descendente de uma família respeitável, aristocrática), cujas famílias estão afastadas por antigas questões e ressentimentos.
Num dos excertos que mais gostei, o autor relata a atitude de Açor (cão de Margarida), ao ver a dona a falar com João Garcia.
"João Garcia fincara os pés na rampa e as mãos no muro, elevando-se como se estivesse a trabalhar de espaldar. A fúria do cão enchia-o de um atrevimento nervoso, como se Margarida estivesse em perigo ou quisesse experimentar criando-lhe um inimigo inferior. Agora era o Açor que o via em posição de ataque, só a cabeça e os cotovelos. Açulado por aquela sombra, o cão atirou-se por cima da dona ao vulto, de gorgomilos rascantes estrangulados na coleira. Com o impulso, Margarida resvalou; mas, apanhando rapidamente o casaco cinzento que pusera pelos ombros, fez frente à fera, intimidando-a. João Garcia, de um salto, tinha-se posto ao pé dela."

Filipa Soares nº10 11ºD




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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Bonecos de Luz - Romeu Correia

Romeu Correia nasceu em 1917, em Almada, onde veio a falecer em 1996. Colaborou ao longo da vida de escritor com vários publicações, nomeadamente, o Comércio do Porto e a revista Vértice. Com uma vasta obra de cariz neo-realista, deixou-nos, sobretudo, romances e peças de teatro. Bonecos de Luz, um romance picaresco, foi publicado em 1961.
Deste romance, gostaria de destacar a importância que o herói (um anti-herói!...) assume ideologicamente para nos mostrar como, por vezes, a vida é dura e injusta. Zé Pardal, assim se chama o herói, é um pobre órfão que vive o seu quotidiano na compreensível ânsia da adolescência, sem se deixar prender por nada nem por niguém. É certo que ter um par de botas, por si só, é quase um sonho inatingível...
Por outro lado, a vida de Zé Pardal é marcada indelevelmente pela descoberta do cinema. Este romance de Romeu Correia transporta-nos para uma aldeia inominada, de gente pobre e miserável que, ingénua, se deixa enganar pelo Nicolau e pelo Lopes - a que se juntará a Miquelina, mais tarde - e que vão, graças a eles, descobrir, com grande admiração e entusiasmo, o cinema mudo de Charlot.
A acção termina com um longo sonho de Zé Pardal onde este se confunde com o herói das fitas de Charlie Chaplin...
No fundo, não projetamos, todos, alguma vez em algum filme, algo de nós para o herói? Mas, numa concepção neo-realista do devir dos tempos, a projecção no filme serve apenas para mostrar, com mais veemência, a miséria que afecta os dias árduos dos pobres...
Eis um excerto de Bonecos de Luz:
"E foi neste momento que alguém ali perto exclamou:
- A máquina dos bonecos de luz!
Intrigado com este nome - bonecos de luz?! - procurei saber que coisa era essa que a engenhoca fabricava. E as respostas chegaram-me ainda mais confusas:
- A máquina atira ali pró lençol tudo quanto a gente vê na vida! ...
- Atira prò lençol?! - exclamei, pasmado. - Mas como é que isso acontece?!
- Acendem um luz dentro da gaja, corre uma fita... e a gente vê logo no lençol os bonecos de luz! ...
- Sem entender patavina, resolvi não fazer mais perguntas. Quando a tal fabricação começasse... então eu veria de que se tratava.
E moído de entusiasmo e de comichão - esperei ...
[...]
De repente, chispou um relâmpago sob o alpendre e que as mãos rápidas do Lopes logo abafaram de sombras enormes. E quando todas as cabeças se volviam para o sítio da engenhoca, foi então que um jorro de luz, saído pelo olho da gaja, atravessou o recinto, iluminando o lençol...
Que coisa fantástica tínhamos diante dos nossos olhos!
Letras brancas, certinhas, surgiam sobre o quadrado de pano que se tornara preto... Depois, zás!, uma casa, com portas e janelas, um bocado de céu por cima do telhado...
«Espantoso! Tudo, tudo, como a gente vê ao natural! ... Olha! Olha! Um automóvel atravessou a rua e parou à porta da casa! ...»
- Miquelina! Como é que o carro foi parar ali ao lençol?!" (Correia 1975: 50).
João Paulo Fonseca

Com a chegada das vindimas, chega também mais um novo ano lectivo!