sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Escrita

Escrever não é outra tentativa de destruição mas antes a tentativa de
reconstruir tudo pelo lado de dentro, medindo e pesando todas as
engrenagens, as rodas dentadas, aferindo os eixos milimetricamnete,
examinando o oscilar silencioso das molas e a vibração rítmica das
moléculas no interior dos aços.
Saramago, José (1985): Manual de Pintura e Caligrafia. Lisboa: Caminho. p.57

O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque sabe que é mortal. Vive em sociedade porque é gregário, mas lê porque se sente só. A leitura constitui para ele uma companhia que não ocupa o lugar de nenhuma outra, mas que nenhuma outra poderia substituir. Não lhe oferece nenhuma explicação definitiva acerca do seu destino, mas tece uma apertada rede de conivências entre a vida e ele. Ínfimas e secretas convivências que falam da paradoxal alegria de viver, mesmo quando referem o trágico absurdo da vida. Por isso as razões que temos para ler são tão estranhas como as que temos para viver. E ninguém nos pede contas dessa intimidade.

Pennac, Daniel (1997): Como Um Romance. Porto: Edições Asa. p. 166.